Um grande amigo e mentor, um artista multifacetado e grande compositor, o Zé Rodrix dizia: – Existem várias maneiras de fazer arte, eu prefiro todas.
Na composição popular a regra é válida. Você pode ser o melodista, o letrista, fazer tudo junto, fazer um modo misto onde compõe tudo junto com o parceiro. Há ainda o que chamamos tricerias, quando há a participação de uma terceira pessoa.
Falar sobre formas de compor seria o módulo mais básico do ofício. Aquele capítulo para quem encara esse blog cruamente na missão de se tornar um compositor mais cedo ou mais tarde.
Básico ou não, é muito bom falar sobre o assunto porque como já dissemos, esta é uma obra empírica, tudo o que está aqui foi porque vivemos o processo.
E eu vou me usar de exemplo citando a música minha que foi gravada por Luiza Possi entre outros artistas e que que se chama ‘’Logo eu’’ . Foi uma parceria com o letrista Zé Edu Camargo que você pode ler abaixo e ouvir no Spotify
“Tô na mesma
Sem novidade, nem surpresa
Esperando a noite pôr a mesa
Tô na boa
Nem apressada, nem à toa
Vou levando
Que lá fora, a vida voa
É diferente
Estar assim, indiferente
Logo eu!
Que sempre fui tão de veneta
É incomum
Ficar assim, lugar nenhum
Logo eu!
Que sempre fui 8 ou 80
Falta sal, falta pimenta
Falta paixão violenta
Falta cheiro, falta cor
Falta morrer de amor
Falta eu gritar
Até me faltar o ar
Falta ver você voltar
Falta até ver você voltar
Você voltar”
Melodia sobre a letra
Bom, essa ideia veio depois de um telefonema que a gente trocou, onde eu reclamei dizendo que ele não fazia mais letra de música, não me mandava mais nada… Geralmente eu atuo como melodista. Meus parceiros letristas me mandam a lírica da canção semipronta – digo semipronta, pois dentre as várias formas de compor, esta é uma delas. Uma melodia feita em cima da letra de música que o Zé Edu Camargo fez.
Nem todo mundo gosta ou consegue compor neste formato – música sobre letra. Eu gosto porque ao ler a letra, algum termo, frase ou ideia, já me conduz para um possível caminho melódico. É uma pergunta que você deve se fazer caso for este seu caminho: – Qual melodia ficaria boa para expressar essas ideias?
Um exemplo que sempre lanço é de um festival de música que assisti onde havia uma música em que a letra falava sobre suicídio. A melodia era um samba alegre quase carnavalesco, coisa que claramente não combinava com o assunto.
Tudo ao mesmo tempo
Existem compositores que tocam instrumento e que preferem fazer a letra de música conforme vai saindo a melodia. A canção – que é a união de letra e melodia – saem ao mesmo tempo.
O melodista
Existe o compositor melodista. É o cara que faz a melodia para depois colocar a letra de música ou então pegar essa melodia e gravar e mandar para um parceiro letrista. Pode ser alguém que ele conheça o estilo a ponto de já fazer um melodia que combina com o estilo de escrita e assunto do parceiro. Aquele que vista de letra aquela melodia e faça nascer a canção.
Vicente Barreto, grande compositor, autor de Morena Tropicana junto com Alceu Valença, é uma parceiro que faz isso: constrói a melodia com todo esmero e escolhe um parceiro letrista para construir a parceria.
O letrista
Há ainda o compositor que é essencialmente letrista.
Ele não toca nenhum instrumento e não tem a menor ideia de como se cria uma melodia musical, mas ele gosta de escrever. Uma pessoa que sabe desenvolver bem um assunto. Normalmente ele estuda algumas técnicas de estrutura musical por causa do tamanho das frases, as acentuações, a prosódia da canção e envia para alguém colocar uma melodia. É exatamente o caso do exemplo citado, que aconteceu no caso da melodia que fiz em cima da letra de música “Logo eu”, do Zé Edu Camargo.
Conclusão
Então, pra resumir o que você precisa ter em mente é que você pode ser um compositor preferencialmente melodista, como é o meu caso. Pode não ser seu caso, então classifique, só não prenda demais a isso.
Vou usar meu exemplo: Quando eu comecei a compor, eu fazia as canções, gostava das melodias e raramente gostava das letras. No meu senso crítico, achava que eu falava sempre a mesma coisa, que eu só sabia falar de amor e da maneira mais banal possível. Me sentia raso.
Não acho que ter a autocrítica aguçada seja errado, pelo contrário. É um recurso que te leva a buscar o aperfeiçoamento constante. No entanto, ao menos para quem está iniciando na arte de compor, é bom fugir do perfeccionismo exagerado.
Tem um monte de gente que faz canção extremamente rasa. As rádios estão infestadas de gente que faz música ruim e não percebe ou julga boa. Particularmente, para um melhor aproveitamento dos posts, não vou me aprofundar em um crítica sobre o mainstream, sobre o que toca e o que faz sucesso.
Na contramão dos que criticam o show biz, eu prefiro me resumir a uma frase: está tudo como deveria estar.
A busca
Retomando…eu queria algo mais. Queria dizer alguma coisa que tivemos um efeito menos automático nas pessoas. Queria oferecer experiências novas. canções que fizessem pensar, sentir, se emocionar. Foi aí que eu comecei a me juntar com parceiros letristas e eles tinham boas ideias, bem melhores que as minhas, boa bagagem cultural para desenvolver os assuntos que eu queria falar, vocabulário e técnicas de escrita mais apuradas e aí eu descobri a praticidade da parceria.
Fazer uma parceria é algo muito gostoso e muito recompensador. Principalmente na hora que você termina a canção e envia para o parceiro e ele gosta. Surge sempre o efeito mágico da sensação de sucesso: “o que nós vamos fazer? Vamos produzir ela? Vamos para um estúdio? Vamos gravar? Vamos mandar para alguém?” .
Curta muito o “efeito sucesso” que vem logo após a chegada de uma nova canção, normalmente dura apenas dois ou três dias.
Então, repito para ser enfático: se você tem uma vontade de ser compositor, localize-se na canção. Se você sente que é melhor melodista ou se claramente um letrista. Mesmo se você for como eu, um melodista que não gosta das suas letras, ainda assim você pode pegar essas melodias todas e enviar para letristas e transformar isso em algo totalmente novo.
Boa parte do que fiz em parceria com o Alexandre Lemos foram letras “recicladas” que vieram de melodias que ele esqueceu ou não curtia muito. Eu adoro cultivar a ideia de que todas as que não foram gravadas e lançadas ainda estão vivas e dinâmicas, prontas para um novo recomeço.
Pratique o desapego às vezes, você terá boas surpresas.