Desamparo aprendido e o compositor para festivais autorais

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O desamparo aprendido — aquele conceito da psicologia que explica quando a gente tenta, tenta, tenta e, depois de tanto tropeço, começa a acreditar que nada muda — infelizmente é rotina para quem compõe para festivais autorais.

O compositor faz tudo: escreve, revisa, reescreve, produz guia, busca intérprete, arruma inscrição… e recebe de volta o famoso “vazio”. Critérios nebulosos, regulamentos que mudam no susto e seleções sem explicação criam a sensação de que esforço não gera resultado. Aos poucos, o artista se encolhe: cria menos, sonha menos, aposta menos.

E o problema nem é o “não”. É a falta de clareza. Sem critérios, sem retorno, sem entender o que melhorar, o compositor perde aquela sensação básica de que está no controle do próprio caminho. Quando isso some, a criatividade trava — não por falta de talento, mas por falta de horizonte.

Esse ciclo tem saída? Acho que sim.

Mentorias, comunidades transparentes e festivais que tratam o compositor com respeito já fazem diferença. Mas hoje existe um aliado extra: as ferramentas de IA. Elas ajudam a revisar letra, ajustar estrutura, testar arranjos, organizar ideias, produzir guias melhores e até gerar feedback inicial para orientar o que aprimorar antes da inscrição.

Mas aqui entra um ponto essencial: usar IA como apoio é uma coisa; entregar a criação inteira para ela é outra. Deixar que a IA faça tudo não é compor — é abrir mão da sua voz. A tecnologia pode lapidar, iluminar, sugerir caminhos… mas a centelha criativa, o gesto autoral, o risco poético, isso é seu. Sempre.

A IA não substitui o olhar artístico — mas devolve ao compositor a sensação de “eu posso fazer algo a respeito”. E isso, para quem vive o desamparo aprendido, já muda tudo.

A arte pode nascer da vulnerabilidade, mas não precisa nascer do abandono.
Quando o compositor entende que sua trajetória não é um teste de resistência emocional, mas um processo que pode ser afinado com método, clareza e ferramentas que ampliam sua autonomia, ele retoma o volante da própria história.

A música de festivais não precisa ser esse jogo de adivinhação. Pode ser um território de esperança operacional — aquela sensação real de que, sim, tentar faz diferença. E é nesse clima que o compositor independente volta a respirar, a acreditar e, sobretudo, a criar.

BRUNO KOHL é compositor e co-criador da Central dos Festivais