Canção é Obra de Arte – Por Alexandre Lemos

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Então estou aqui de novo, Alexandre Lemos, para falar de mais algumas abordagens que carecem de atenção do autor, uma canção é uma obra de arte. Eu não vou aqui qualificar se ela é uma obra de arte igual ao teto da Capela Sistina ou se é uma música menor que você faz em casa como amador para homenagear o aniversário da sua filha. Não estou qualificando, é sempre uma obra de arte, à medida que ela é uma expressão verdadeira e genuína de alguém que está usando ferramentas artísticas para se expressar.

Portanto a obra de arte tem dois momentos, como todo processo de comunicação, ela tem a expressão e a recepção. O artista usa seu talento, sua inspiração, suas ferramentas e técnicas para produzir obra, mas ela só se completa, a existência da obra só se justiça, só cumpre sua função quando ela é ouvida, vista, admirada, fruída. Enfim, existem várias maneiras como essa comunicação se completa, vai depender da área artística que esse artista atua. 

Quando a gente quer se comunicar, um dos segredos básicos é não complicar a comunicação. Quanto mais simples a expressão – não misturando simples com simplório, eu estou dizendo simples, na medida que eu não busquei a complicação, eu fiz o mais simples que saiu da minha inspiração -, isso vai fazer com que essa obra de arte seja muito mais recebida de imediato pela sociedade. Se você é um melodista muito sofisticado, se na hora que você compõe sua melodia você usa harmonia sofisticada e o contexto poético também muito sofisticado, com um vocabulário muito pouco usado coloquialmente, mas isso tudo é genuíno e verdadeiro em você, você vai conseguir comunicação com o público e um dos grandes exemplos disso é o Chico Buarque. Chico usa um vocabulário que pouca gente usa e ele faz melodias muito rebuscadas. Muitas vezes ele capricha na harmonia, basta ver o violonista que toca com ele, o Luiz Cláudio Ramos, ou ele mesmo acompanhando, as inversões de baixo que ele faz, são harmonias muito sofisticadas, mas ele consegue a comunicação com a plateia, consegue a comunicação com a sociedade porque aquilo é verdadeiro nele.

Caprichar demais, complicar ideias para parecer que a gente é sabido costuma trucar a comunicação, é preciso ter atenção com isso e uma comunicação truncada significa uma obra de arte na gaveta mesmo que tenha a possibilidade de ser lançada em algum livro, um filme… Não importa. Provavelmente sua canção vai ser uma frustação em você, porque você fez e não conseguiu se comunicar. 

Vou dar um exemplo para vocês perceberem do que eu estou falando: quando a bossa-nova surgiu ela veio como uma maneira revolucionária de compor e de interpretar samba. O João Gilberto não apenas lançou canções inéditas de uma geração de autores de bossa-nova como também regravou canções clássicas do Ary Barroso e Dorival Caymmi e, em todas essas gravações ele imprimiu um jeito muito novo, muito sofisticado de acompanhamento de harmonização e até de interpretação, mas ele fez aquilo de uma maneira tão genuína que ele conseguiu não só se comunicar com a sociedade brasileira, mas com o mundo inteiro, até com sociedades que não entendem português. 

Um dos maiores clássicos, talvez o clássico mais emblemático, até porque dá nome ao primeiro disco – na época chamava não era nem CD -, primeiro LP do João Gilberto se chama “chega de saudade”. É uma parceria do Antônio Carlos Jobim com Vinicius de Moraes, é um samba, mas é um samba que usa recursos harmônicos muito sofisticados, modula de menor para maior o que é uma tradição até do samba, mas a maneira que o Antônio Carlos Jobim faz é sofisticada. A letra do Vinicius de Moraes não é coloquial. Há um verso que ele diz, “Diz-lhe numa prece que ela regresse’’, ninguém fala isso no botequim, é um jeito muito sofisticado de dizer, mas amigos, se vocês pegarem o violão e tocarem essa música em qualquer bar ou em qualquer teatro vocês vão notar que a plateia vai cantar junto porque aquela sofisticação era tão sincera que fez aquele samba ser tão popular quanto qualquer marchinha de carnaval.

Então atenção com isso: a simplicidade não significa simploriedade, não significa a falta de recurso. A simplicidade é aquilo que é verdadeiro e genuíno no autor, o autor que é verdadeiro e genuíno vai sempre encontrar sua plateia, ela pode ser uma multidão, ela pode ser uma quantidade menor de pessoas, mas ele sempre vai encontrar ouvintes que vão se identificar com aquilo porque aquilo é sincero. Sofisticação demais, acorde torto demais, só para parecer que você é um grande violonista. Melodias que se quebram de uma maneira difícil de se digerir naquela plateia só para mostrar que você é capaz de fazer modulações sofisticadíssimas ou palavras estranhas isso tudo é bobagem. Pode até dar um certo prestígio entre dois ou três amigos, mas na prática você vai morrer na praia sem conseguir o básico que o artista deseja que é se comunicar com a sociedade a qual ele pertence.

Ok? Atenção: simplicidade não é demérito da obra de arte, pelo contrário, é uma qualidade que é preciso que a obra de arte tenha. Valeu, qualquer coisa escreve para gente, abraços.