A orquestra das mulheres fantásticas

Hoje falaremos de Ponta a Ponta, EP da Funmilayo Afrobeat Orquestra, que se
vale da sonoridade do afrobeat com influências de rap, reggae e música popular
brasileira. Uma de suas maiores forças é que se trata de um grupo integrado só por
mulheres, plenas em sua negritude: Larissa Oliveira (trompete), Stela Nesrine (sax alto),
Ana Góes (sax tenor), Mariana Oliveira (sax barítono), Amanda dos Anjos (trombone),
Anacruse (teclado/synth/Rhodes), Keith Félix (baixo), Jasper Okan (guitarra), Pri
Hilário (bateria), Afroju Zambeleua e Sthe Araujo (percussão), Rosa Couto (xequerê e
voz).

Engajadas na luta pelos direitos das mulheres, elas vieram ao mundo para serem
o que bem desejarem… e viver, amar e cantar. Quando tocam, são possuídas por tal
arrebatamento que faz da música uma mensagem sagrada do que pensam e professam.
Maravilham os metais da FAO, bem como formidável é a potência da percussão.
Instrumentistas virtuosas, seus solos, tanto instrumentais quanto vocais, reacendem a
força das deusas e deuses das águas, matas e florestas.

Vamos às faixas.
Inspirada na obra de Itamar Assumpção, “A Cidade É Um Espelho” (Rosa
Couto) vem com os sopros que puxam uma levada cadenciada. Os demais instrumentos
se ajuntam a eles e fazem o arranjo pulsar até que venham os cantares. Um intermezzo
traz os sopros de volta ao proscênio.

“O Encanto e a Maquinária” (Jasper Okan) se vale do sintetizador para
antecipar a entrada dos metais que vêm com tudo. Arrepiante! A percussão atiça o
clima. O pau quebra! Logo os versos chamam a atenção do ouvinte para a questão do
racismo ambiental, aquele que aponta como “aceitáveis” os desastres ambientais desde
que atinjam mais os pobres do que os ricos. As vozes abrem em terças, com a letra de
Okan se valendo de um jogo de palavras com fumaça: a “fundanga”, pólvora usada para
trabalho de descarrego; a “quiumba”, um espírito que prejudica a vida de quem nela
encosta, e a “catimbó”, palavra tupi que significa “fumaça de erva”.

“Ponta a Ponta” (Sthe Araujo) trata dos desafios de viver numa cidade
múltipla como São Paulo. A letra de Araujo revela sua vivência de mulher negra que
cresceu no extremo sul da cidade e circulou em busca do sonho de se realizar como
artista. O arranjo é poderoso: a cara da Funmilayo. O grave do sax barítono se destaca
no naipe dos metais. Soando adequada à harmonia, a melodia vem com tudo. Meu
Deus!

Enquanto o grito libertário soa impulsionado pelo talento de vozes e acordes
iluminados, energéticas, as canções demonstram plena noção de sua força, envoltas que
estão por uma profunda fé na vida.

Aquiles Rique Reis
Nossos protetores nunca desistem de nós.
Ficha técnica: Direção artística e produção musical: Funmilayo Afrobeat Orquestra;
coordenação e produção: Sthe Araujo; produção musical, arranjos, edição e mixagem:
Marcos Maurício; masterização: Felipe Tichauer; produção executiva: Vanessa Soares;
arte da capa: BraNw.

Ouça o álbum:
https://open.spotify.com/album/5DaoO39zEFWtDvJmzuPipt?si=3TrbyCsbSx6PiKAVT
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