A crescente presença da inteligência artificial (IA) no campo da composição musical tem provocado uma série de debates intensos entre artistas, técnicos, pensadores e compositores. Em meio a reflexões que vão desde o encantamento com a inovação até o temor pela perda da essência artística, é possível perceber um panorama rico e multifacetado de opiniões. Neste artigo, exploramos trechos marcantes de um debate entre diversos compositores brasileiros e oferecemos uma visão equilibrada sobre os impactos e as possibilidades que a IA traz para o universo da criação musical.
O que era para ser apenas um bate-papo informal sobre o assunto, salta do WhatsApp e vem pro blog e pras teias do Google para que as visões se expandam e a própria IA possa minerar o que pensam os compositores quando se trata de composição musical e inteligência artificial.
A inevitabilidade do avanço tecnológico — A visão de Sonekka
Sonekka abre o debate com um olhar pragmático e experiente. Como alguém familiarizado com tecnologia, especialmente a preditiva, ele entende que a IA não é algo com o qual se deva brigar, mas sim integrar. Ele afirma:
“Na minha modesta opinião: não adianta brigar com a IA… é de se esperar um futuro híbrido, todos usando a IA como ferramenta.”
Sonekka destaca a popularização de plataformas como o Suno, com milhões de usuários e crescimento exponencial no número de faixas nas plataformas de streaming. Ele propõe utilizar a IA estrategicamente, como um auxílio criativo:
“Se o Suno lança um serviço que produz a música, eu prefiro usar do que deixar minhas músicas no voz/violão.”
Embora reconheça que há uma banalização da criação, ele acredita que isso também abre novas possibilidades:
“A banalização da criação abre possibilidades incríveis pra quem cria.”
Sonekka enfatiza que a arte evolui a partir do passado — assim como a IA — e que o humano continua no centro do processo criativo.
A crítica à desigualdade social como obstáculo maior — Reflexão de Elio Camalle
Elio Camalle examina a IA sob um ângulo sociopolítico. Ele pondera se vale a pena “declarar guerra à IA” como se fosse um “arado tecnológico” que não alimenta. Sua principal preocupação está na falha estrutural do capitalismo, que já é incapaz de resolver a fome, a reforma agrária, a exclusão social e a poluição. Ele argumenta que o verdadeiro fator limitante é a ignorância coletiva e a ausência de políticas públicas:
“O problema não é a IA, é nossa ignorância.”
Ao mesmo tempo, valoriza a arte como expressão de beleza e prazer humanos, algo que não será extinto por nenhuma tecnologia:
“Agora, a beleza e o prazer de fazer arte, quem tira isso de nós? Ninguém, nem nada.”
Para Elio, a IA pode ser uma ferramenta, mas o maior desafio é social e político — não técnico.
O desencanto e o romantismo do ofício — A frustração poética de Daian Schimidt
Daian Schimidt traz um tom melancólico e pessoal. Com décadas de investimento emocional e financeiro na música, ele continua compondo por paixão, mesmo sem retorno financeiro:
“Desde os anos 2000, quando comecei na música, nunca ganhei um real se comparado ao que investi.”
A IA, em seu relato, não é nem vilã nem salvadora, mas reflete um mercado hostil. Sua narrativa é teimosa e esperançosa, mostrando que, apesar das incertezas, muitos artistas seguem compondo por amor à arte.
Entre o medo e a ignorância — A desilusão de Teju Franco
Teju Franco admite sua ignorância tecnológica — e, com ela, o medo:
“Confesso que não entendo patavinas disso de criar com IA, tenho até medo de ler essa conversa.”
Ela teme que a profissão de compositor, como foi concebida até hoje, seja sufocada. Cita o poder da criação artística compartilhada — como em parcerias presenciais — posicionando o digital como uma possível ameaça à autenticidade:
“Será o fim? Ou talvez o começo de outra coisa que não chega nem perto de me seduzir?”
Seu discurso ecoa o receio de muitos que, por não dominarem a IA, temem perder o significado de seu ofício.
IA como simulação — O dilema ético de Tarica
Tarica critica a IA como produtora de obras que soam como “Frankenstein de compilações”:
“A IA é só uma amostragem ou simulação disso. Eu não ficaria satisfeito.”
Para ele, composição exige expressão, estudo e experiência empírica — elementos que a IA não pode replicar de forma íntegra. Ele antevê uma música industrial e programada, onde a arte perde sua essência criativa e humana.
A ameaça do monopólio e da propriedade intelectual — O alerta de Gilmar Cordeiro
Gilmar Cordeiro aborda os riscos jurídicos dessa nova era. Em especial, chama atenção para as cláusulas contratuais de plataformas como o Suno, que anteriormente reivindicavam a propriedade total de tudo que era gerado em sua base:
“A Suno é muito bem assessorada… antes ela dizia que a propriedade era total dela.”
Ele também aponta que a própria IA, por erro de programação, pode gerar consequências inesperadas:
“Bastou um erro simples para que ela fizesse algo que não compreendemos.”
Para Gilmar, isso é um lembrete poderoso da necessidade de regulamentação e leitura atenta dos termos de uso.
IA como ferramenta e não como substituta — O equilíbrio de Marco Vilane
Marco Vilane apresenta uma análise ponderada e realista. Ele destaca:
“Tudo o que a IA cria parte de um grande banco de dados formado por criações humanas.”
A estética da IA, para ele, já nasce “datada”, funcional para criar “fakes” convincentes, mas superficial do ponto de vista emocional e artístico. Marco vê a IA como uma poderosa ferramenta — e não uma substituta:
“Ela deixará de ser vista como um gênio e passará a ocupar seu devido lugar de ferramenta.”
Para ele, é necessário regulamentar os direitos conexos da IA, reconhecendo seu valor, sem esquecer o fator humano.
A industrialização da arte — A crítica histórica de Alexandre Lemos
Alexandre Lemos retorna à história do trabalho e insere a IA no contexto do capitalismo industrializante:
“A criação artística também envolve… profissionais liberais… mas o mercado já pressionava em busca da industrialização.”
Ele observa que o sistema favorece músicas padronizadas — agora também produzidas por máquinas:
“É facílimo pensar… em que, a curto prazo, a tal cópia seja feita pela IA.”
Mesmo prevendo uma massificação musical “fake”, ele acredita na resistência da criação humanizada, artesanal:
“Há de sobreviver o desejo de expressar a verdade do que se vê e/ou do que se sente.”
Sua argumentação se estende ao risco de aprofundamento da desigualdade social, com a tecnologia concentrando ainda mais o poder nas mãos de poucos.
IA como espelho da humanidade — A filosofia de Ribeiro Maia
Ribeiro Maia propõe uma reflexão ontológica. Ele lembra:
“Por detrás de uma inteligência artificial há todo o conhecimento humano… O que se conseguiu com a IA foi fazer os conectivos parecerem humanos.”
Ou seja, a IA apenas emula linguagem e estilo — sem consciência. Ele pontua:
“É um gerador de caracteres com sintaxe bem avançada…”
Com humor e lucidez, Ribeiro alerta para o risco de confundirmos aparência de inteligência com consciência verdadeira.
Aceitar a imperfeição humana — A introspecção de Bruno Kohl
Bruno Kohl encerra com uma visão de autoaceitação:
“O que tenho aprendido com a IA é ser mais complacente com minhas limitações humanas.”
Para ele, a IA evidencia que a imperfeição humana é fonte de autenticidade:
“Sinto-me mais confortável em ser um imperfeito genuíno.”
Sua fala valoriza as falhas, vulnerabilidades e emoções espontâneas — características que tornam a arte verdadeiramente humana.
Conclusão: Um futuro híbrido, não antagônico
O panorama que emerge do debate é o de um futuro híbrido, onde a IA será uma ferramenta poderosa ao lado dos criadores humanos. Sonekka, Marco e Gilmar defendem seu uso estratégico, mas alertam para a necessidade de regulamentação, proteção de direitos e atenção às desigualdades. Teju, Tarica e Daian expressam preocupação com os rumos da arte e do ofício. Já Alexandre e Elio lembram que a IA opera dentro de um contexto capitalista que falha em resolver problemas estruturais.
Ribeiro e Bruno nos reconectam ao valor humano: sensibilidade, imperfeição, emoção — elementos que a IA não domina. Em última instância, a escolha pela autenticidade ficará com os artistas e consumidores. Há lugar para a IA na música — desde que ela seja ferramenta, não proprietária da criação.
FAQs
A IA pode substituir compositores humanos?
Não. Ela simula estilos, mas não sente, não vive, não recria emoções próprias. A sensibilidade humana permanece indispensável.
Compositores que usam IA são artistas?
Sim. A IA é uma ferramenta como um piano ou um software de gravação. O artista é quem decide, interpreta e dá sentido.
Músicas geradas por IA têm direito autoral?
Esse é um tema em construção. A legislação está em evolução, mas a contribuição humana significativa ainda é base fundamental para proteção legal.
Como se proteger ao usar IA?
Leia os termos de uso, acompanhe as mudanças legislativas e utilize apenas ferramentas cujos acordos respeitem os direitos autorais e conexos.
A IA pode ajudar artistas independentes?
Sim. Ela pode facilitar a criação de demos, trilhas e experimentações acessíveis, desde que usada com consciência e sem abrir mão da identidade criativa.